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OS EFEITOS DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS EM QUILOMBOS AMAZONENSES

  • Foto do escritor: Ozaias da Silva Rodrigues
    Ozaias da Silva Rodrigues
  • 13 de jul. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 17 de nov. de 2021

Publicado em 13/07/2021

Pessoa sendo vacinada - Juliana Bentes (2021).


Historicamente, a luta quilombola se constituiu como uma luta pela liberdade, sobretudo. Essa luta garantiu a continuidade da vida das comunidades negras, luta esta que as comunidades quilombolas ainda mantém por sua autonomia e direito de existir. Tendo a sua existência marcada por adversidades, das mais variadas, os quilombolas agora têm mais uma para enfrentar: uma pandemia[1].


A catástrofe pandêmica, em suas diversas formas, interrompeu em inúmeros lugares, ao redor do planeta, aquilo que chamamos no senso comum de vida. No Brasil temos a infeliz marca de mais de 570 mil mortos pela Covid-19. Entre a falta de oxigênio, de leitos de UTI, a exaustão física e emocional dos profissionais da saúde e a incompetência dos políticos esse foi o saldo resultante da tragédia social que o país ainda vive. Os quilombolas também estão entre as vítimas fatais da Covid e da incompetência política.


Foi com o intuito de acompanhar as estratégias desenvolvidas pelos quilombolas diante dessa catástrofe socioambiental que busquei o diálogo com duas lideranças quilombolas amazonenses, no início do ano de 2021. São elas: Keilah Fonseca, do quilombo do Barranco de São Benedito, situado em Manaus, e Maria Amélia, liderança do quilombo Santa Teresa do Matupiri, situado em Barreirinha[2]. Respectivamente, um quilombo urbano e um quilombo rural. Ao dialogar com essas lideranças percebi que a comunicação virtual é algo que faz parte da rotina delas, pois não tive dificuldades em contatá-las ou em conversar com elas.


Uma das formas de se continuar a vida no contexto pandêmico foi a possibilidade da vacinação, pois “entendeu-se a busca por uma vacina como imperativa para contenção dos danos humanitários e econômicos associados ao vírus” (CASTRO, 2021, p. 75). Nesse contexto, os quilombolas se mobilizaram para conseguir a vacinação. Na conversa que tive com Keilah, em abril de 2021, ela comentou que os idosos do Barranco de São Benedito foram vacinados por serem idosos e não porque são quilombolas. Keilah depois me informou, já em agosto de 2021, que foi depois de acionarem o Ministério Público que os quilombolas do Barranco puderam ser vacinados pelo critério étnico de prioridade. Essa distinção é importante para avaliarmos a capacidade de vacinação no Amazonas e quais as prioridades que estão sendo estabelecidas no tocante a isso.


Já no município de Barreirinha Maria Amélia contou, também em abril de 2021, que a vacinação dos quilombolas começou no dia 7 de abril e se seguiu até alcançar todas as comunidades quilombolas do rio Andirá[3]. Mesmo focando sua narrativa em Santa Teresa do Matupiri Maria Amélia forneceu um panorama maior de todas as comunidades quilombolas do rio Andirá, porque estas possuem uma federação que as representa. No geral, Maria Amélia aponta que há uma ausência de políticas públicas para os quilombolas do Andirá, seja antes da pandemia ou durante a mesma. Mesmo assim ela ainda agradece o pouco que é feito pelos seus irmãos quilombolas e segue exigindo melhorias e um olhar atento para as demandas das comunidades quilombolas de Barreirinha.


Keilah nos narrou que a população quilombola foi esquecida pelas autoridades, pois não foram ajudados em nada, sendo que tudo que aconteceu na comunidade foi por meio de esforço próprio e das pessoas que ajudaram a Associação das Crioulas. No contexto pandêmico a Associação das Crioulas foi um instrumento importante na mitigação das consequências da pandemia. Assim, as mulheres quilombolas do Barranco estiveram à frente das ações na comunidade se constituindo enquanto linha de frente no combate aos impactos da Covid-19. Keilah complementa dizendo: “Nós tivemos parentes e amigos que faleceram em decorrência do vírus. Nós perdemos muita gente conhecida, parente, amigos, [...] o governo nos abandonou, não tivemos prioridade como quilombolas para vacinação”.

Nesse contexto, o que se destacou foi a mobilização dos próprios quilombolas e de organizações civis a fim de conterem os efeitos negativos da pandemia. Vê-se que as redes de apoio que os quilombolas de Manaus e Barreirinha têm foram mais do que essenciais para mitigar os impactos pandêmicos. A própria organização e autonomia dessas comunidades foi posta a prova. Mesmo com todos os cuidados, houve contágio e mortes. Destaco também que a insegurança alimentar, a falta de renda e o prejuízo à educação das crianças e jovens quilombolas são faces dessa mesma moeda. Para além da negligência política e do racismo, eles se erguem e se negam a esperar que as autoridades se importem com eles. Os quilombolas amazonenses seguem lutando por suas vidas.



[1] As questões aqui colocadas fazem parte da pesquisa que está sendo desenvolvida por mim durante o curso de Doutorado em Antropologia Social (UFAM). Na referida pesquisa dialogo com comunidades quilombolas amazonenses e cearenses, a fim de investigar questões que se relacionam com os impactos da pandemia da Covid-19 e as formas de continuidade da vida nesse contexto. [2] “O município de Barreirinha está a 375 km de Manaus, em linha reta, e a 420 km, por via fluvial. Das quatro Mesorregiões, o município pertence à terceira Mesorregião Centro Amazonense...” (RANCIARO, 2019, p. 120, 2° nota de rodapé). [3] Até o dia 11 de abril de 2021 não houve casos de óbito nas comunidades quilombolas do Andirá devido ao coronavírus. Houve infecções, porém não foi preciso hospitalização, pois como informou Maria Amélia, os infectados se cuidaram em casa com o uso de remédios caseiros - xarope feito à base de limão, alho e jambu, como ela informou.



REFERÊNCIAS

CASTRO, Rosana. Necropolítica e a corrida tecnológica: notas sobre ensaios clínicos com vacinas contra o coronavírus no Brasil. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 27, n. 59, p. 71-90, jan./abr. 2021.

RANCIARO, Maria Magela. Processos metodológicos da pesquisa de campo em comunidades quilombolas do Amazonas. Revista Wamon, v. 4, n. 2, p. 119-132, 2019.

 
 
 

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